Tupi or not Tupi. Esta não é questão.
Recentemente voltou a cena o Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira, de Ivan Carlos
Regina, pela mão de Tibor
Moritz, que levantou a bola, e deixou o pessoal fazer algumas embaixadas.
Porém a bola caiu no chão e pingou, pingou e Bráulio
Tavares deu outro chute levantando um novamente a bola, que nos pés de Roberto
Causo e do próprio Moritz
voltou a pingar no meio do fandom.
Eu estou vendo a bola vir em minha direção e resolvi
arriscar um chute ou uma cabeçada e não espero atingir o gol, pois péssimo
jogador de futebol, nem sei onde ele está. Aliás, parece que ainda ninguém sabe,
mas o importante é que a bola continue no ar a espera de que alguém saiba onde
está o gol ou construa um.
Para iniciar a minha reflexão sobre o assunto antes de
colocar a bola novamente em campo partiu dos textos já citados, dos Manifesto da Poesia Pau
Brasil e Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, do Triste fim
de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, de minhas leituras de FC & F e
outros gêneros de todos os cantos do mundo e da Opera Madame Butterfly sob a ótica
de Katsuhiro Otomo, no curta Magnetic Rose presente do DVD Memories.
Alguém poderia estar perguntando, por que Madame Butterfly?
Afinal não estamos falando de literatura brasileira de Ficção Científica?
Eu pergunto: quando pensa em madame Butterfly, qual o
primeiro país que aflora a mente? Japão!
Só que ela é uma opera italiana (escrita por Puccini) que se apropria de
alguns elementos culturais japoneses e de um momento histórico, onde ocorria
justamente a dominação econômica e cultural americana nas terras nipônicas.
E o que fez Katsuhiro Otomo? Criou uma história onde uma
nave especial com uma tripulação multinacional (não há um japonês sequer) segue
um sinal de SOS que é justamente uma ária de Madame Butterfly. O destino é um
grupo de asteróides com um perigoso campo magnético, Sargasso, nome de um mar onde na ficção é palco de naufrágios
misteriosos.
Mesmo sem ver o filme, só por esta sinopse percebe-se que o
local é uma armadilha. A atração magnética, a atração física por uma mulher, a
atração por uma cultura diferente, a busca do lucro fácil e a ilusão de que se
pode viver através das memórias compõe o quadro dramático do curta.
Apesar de todas as referencias não serem japonesas, sentimos
que estamos diante de uma obra genuinamente japonesa. Por quê? Talvez pela
forma? O tipo de narrativa? Ou o aprendizado de mais de um século que tivemos
de ver Madame Butterfly como uma referência ao Japão?
Já em o Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto coloca um personagem patético que tenta sozinho salvar o país através de três
projetos: um linguístico, um econômico e um político.
Nos interessa o linguístico, já que estamos envolvidos no uso
da linguagem como forma de expressão. Quaresma é menosprezado primeiro por
querer estudar violão, depois por estudar sem ter formação acadêmica e, por fim
querer adotar uma visão nacionalista extrema, ao propor o uso do tupi como língua
oficial.
Este é o perigo que temos que evitar. Até onde deve ir nossa
busca do nacionalismo? Enfiar um índio numa história de FC fará meu texto ser
mais brasileiro?
Eu particularmente penso que somos estrangeiros nesta terra.
Nossas origens são européias e se queremos colocar elementos indígenas em
nossas histórias temos que fazer um mergulho em suas tradições e crenças, criar
uma boa história (um bom exemplo é o herói Tajarê,
de Roberto Causo) e... lidar com uma possível rejeição do publico leitor.
Agora, vamos ao texto base, o Manifesto Antropofágico de
Ficção Científica Brasileira:
“Precisamos deglutir
urgentemente, após o Bispo Sardinha, a pistola de raios laser, o cientista
maluco, o alienígena bonzinho, o herói invencível, a dobra espacial, o
alienígena mauzinho, a mocinha com pernas perfeitas e cérebro de noz, o disco
voador, que estão tão distantes da realidade brasileira quanto a mais longínqua
das estrelas.
A ficção científica brasileira
não existe.
A cópia do modelo estrangeiro
cria crianças de olhos arregalados, velhinhos tarados por livros, escritores
sem leitores, homens neuróticos, literaturas escapistas, absurdos livros que se
resumem as capas e pobreza mental, colônias intelectuais, que procuram, num
grotesco imitar, recriar o modus vivendi
dos paises tecnologicamente desenvolvidos.”
O que seria este deglutir? Me vem a imagem de sandálias de
dedo feitas a partir de garrafas pet. O Cacique Raoni de óculos e beiço de botocudo. Ou o Visconde de Sabugosa, com um
laboratório de faz-de-conta. Alias Monteiro Lobato, apesar de não ter aderido
ao movimento, é mestre nisto: seus livros infantis têm Saci e Peter Pan, Cuca e
Gato Felix, onça e Tom Mix (caubói do cinema mudo). O sítio não vai ao
universo, o universo vem ao sítio.
Me vem novamente a imagem de Madame Butterfly, mastigada e
cuspida por Katsuhiro Otomo em forma de destroços.
Temos celulares de ultima geração, mas eles nos são roubados
nos ônibus apertados. O saci fuma uma pedra de crack em seu cachimbo, acendendo-a
com um isqueiro Zipo. A pesquisa é interrompida porque a verba foi desviada pra
fazer um jardim na casa do ministro. É esta realidade que não é retratada,
segundo Ivan Carlos Regina.
Por fim o próprio texto de Oswald de Andrade nos dá um tema
pra uma boa obra de ficção especulativa, se alguém se dispuser a escrevê-la:
“Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a revolução
Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem
nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.”
Infelizmente o que restou dos Caraíbas está prestes a ser
inundado pela usina de Belo Monte.