quarta-feira, 23 de junho de 2010

Quadrinhos distópicos

Quadrinhos e ficção científica sempre andaram de mãos dadas. Por isso é natural que um dos principais gêneros da sci-fi se traduza em alguns dos melhores quadrinhos de todos os tempos, a distopia.

Futuros distópicos são realidades onde a humanidade está decadente e o mundo no qual nada deu certo. Matrix talvez seja um dos maiores ícones desse tipo de história, mas há outro exemplos como Laranja Mecânica e diversos livros de Philip K. Dick.

Talvez a mais clássica HQ de super-heróis do gênero distopia seja a lendária Dias de um futuro passado de Chris Claremont e John Byrne, estrelando os X-men. A trama conta como no futuro os mutantes são caçados até a morte por Sentinelas. Kitty Pride é a grande protagonista, tendo de viajar no tempo para evitar que a morte de um senador deflagre o futuro catastrófico.

Ainda na Marvel, nos anos 90 a editora decidiu criar uma nova linha de personagens, adaptando-os para o futuro. Dessa maneira nasceu o famigerado Universo 2099. Aqui, os deuses de Asgard, sobretudo Thor, eram realmente adorados, e não havia mais fronteiras de estados, apenas grandes corporações inescrupulosas que dominavam tudo. As principais características do Universo Marvel tradicional foram potencializadas nessa versão futurista. Ou seja, os mutantes eram mais odiados, o povo tinha mais desconfiança em relação aos vigilantes mascarados e, para piorar, não existiam os Vingadores para amenizar a situação. Apesar de algumas idéias interessantes a linha Marvel 2099 foi extinta sem cair nas graças do público.

A grande rival da “Casa das Idéias”, contudo, ofereceu verdadeiros clássicos das HQs ambientadas em futuros distópicos. A começar por Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, gibi da linha elseworlds (Túnel do Tempo aqui no Brasil), onde os personagens do universo DC tradicional são levados para outras realidades e atuam tramas com maior liberdade criativa.

Em Cavaleiro das Trevas, Batman está com mais de 50 anos e aposentado. Seus inimigos também estão presos ou “penduraram as chuteiras”. Mas a realidade americana, repressora e autoritária, representada aqui na figura do Superman, oprime os cidadãos, levando jovens a se organizar em gangues contestadoras. O morcegão resolve voltar a ativa, assim como seus inimigos íntimos: Coringa e Duas-Caras.

Em muitos aspectos Cavaleiro das Trevas foi uma HQ revolucionária, colocando o Superman como uma figura ambígua, quase como o vilão da história. Isso se a trama fosse maniqueísta a ponto de existirem heróis e vilões bem definidos. Miller inovou também ao colocar Robin como uma garota que se inspira nos passos da Batman. Outra grande novidade foi a narrativa, amarrada pelas reportagens que as redes de TV da HQ fazem conforme a trama vai rolando. Vale lembrar que Cavaleiro das Trevas influenciou diversos outros quadrinhos e até mesmo filmes como Robocop, praticamente um plágio da obra de Miller.

Um outro clássico da distopia que saiu pelo selo DC é V de Vingança, do mestre Alan Moore. Inspirada em grande feita no livro de George Orwell 1984, em V de Vingança novamente a grande catástrofe é o autoritarismo de um governo repressivo e fascista. V é um militante anarquista, que sofreu diversas torturas e experimentos nas mãos das forças da repressão e batalha para que o governo despótico inglês seja derrubado por uma ação popular.

Os europeus são fascinados pela ficção científica e, naturalmente, tem diversos expoentes nesse estilo também. Passando pelos fummeti de Nathan Never ou mesmo as BDs de Acquablue, esse talvez mais uma utopia, chega-se a espetacular obra de Moebius. O desenhista francês é sempre lembrado pelo seu maravilhoso traço e capacidade narrativa. Stan Lee e Neil Gaiman já pediram para roteirizar histórias com o traço desse gênio. Mas sua HQ mais notória foi feita em parceria com Alejandro Jodorowsky, chileno radicado na Europa.

O nome da referida HQ é Incal. Num futuro longínquo, a galáxia é disputada pelo poder da Igreja e de Tecnocratas. A trama acompanha o medíocre detetive particular John Difool, que sem querer acaba ganhando um poderoso artefato milenar, o misterioso Incal. A descoberta o leva bem no meio de um conflito épico entre o Meta-Barão, o maior guerreiro da galáxia (e protagonista de outra popular série de Jodorowsky) e o fanático Tecno-Papa.

Saindo da França para o Japão, chegamos até Akira, de Katsushiro Otomo. Aqui o dominante é a estética cyber-punk, com forte influência dos trabalhos de Philip K. Dick. A trama conta a história de um Japão tentando se reerguer após a Terceira Guerra Mundial. A narrativa é bastante complexa e envolve crianças com poderes psiquicos criadas pelo governo, gangues juvenis arruaceiras, drogas, golpes de estado e o fim do universo como conhecemos.

Além disso, outros mangás, publicados no Brasil, abordam o tema das distopias, como Evangelion que envolve crianças que pilotam robôs gigantes num futuro pós-apocalíptico e lutam para defender o mundo contra monstros que na verdade são anjos(!). E Éden, onde um vírus devastou parte da população da Terra e traficantes e grandes corporações se degladiam para dominar o que restou.

Outro mangá do gênero é Gunn: Hyper Future Vision, diretamente inspirado no filme Metropolis do expressionsta alemão Fritz Lang, que por sua vez teve uma livre adaptação em mangá feita pelo mestre Osamu Tezuka, ganhador de um filme animado dirigido por Katsushiro Otomo. Em Gunn, uma andróide sem memória perambula por um mundo onde uma cidade de escórias existe às margens de uma grande cidade flutuante. Contudo, o povo da cidade de baixo é quem realmente sustenta a de cima. Destaque para as maravilhosas cenas de violência.

Nossa volta ao mundo termina onde começou: nos EUA. Só que dessa vez um pouco fora do mercado mainstream. A bola da vez é American Flagg!, série publicada pela extinta First Comics nos Estados Unidos.

Na história, a Terra passou por diversas crises, como um combate nuclear, pragas, brigas por alimentos e um sistema bancário que entrou em colapso. Em 2031, os Estados Unidos estão em decadência, e as coisas estão piores do que nunca: guerra entre gangues, rivalidades políticas resolvidas com armas de fogo, depressão econômica, drogas, etc. Já o Brasil, é uma das potências mundiais.

O governo norte-americano, junto com as principais corporações do país, se mudou para Marte décadas antes, e, de lá, eles não se importa com o que acontece aqui. Um semblante de força policial, os Plexus Rangers, é quem consegue manter a pouca lei que ainda existe no mundo. Reuben Flagg, outrora o astro da série de TV que dramatizava as aventuras fictícias de um Ranger, foi trocado por um holograma. Isso culminou com sua ida para a Terra e posterior alistamento nos verdadeiros Plexus Rangers.

American Flagg! é um verdadeiro marco na produção de HQs futuristas. Tudo em sua produção é muito bem executado, desde o título (uma brincadeira mais que óbvia com flag, “bandeira” em inglês) que faz referência ao patriotismo norte-americano, até a execução da trama.

O título foi um dos primeiros a se encaixar na denominação de quadrinhos adulto, tendo sido publicado originalmente em 1983. Recentemente a editora Dynamic Forces iniciou a republicação dessa obra magnífica.

4 comentários:

  1. Muito bom o texto, Alvaro. Eu ainda preciso ler Incal. Saiu recentemente por aqui, né? Mas tão caro....rs... Abraço!

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  2. A série American Flagg! foi realmente sensacional. Mas perdeu força com a saída de Howard Chaykin, que se interessou por outros projetos.
    Dos anos 90, outro quadrinho distópico que merece ser lembrado é "Liberdade" de Frank Miller e Dave Gibbons: a impressionante e cruel história de Martha Washington. Um caótico e sombrio futuro, regido por mega-corporações.

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  3. Liberdade e Incal já saíram por aqui, bem que alguma editora poderia se dignar a publicar American Flagg!. Se não me engano, a Devir anunciou Black Kiss, também do Chaykin, para esse ano.

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  4. A realidade nos mostra que o futuro utópico idealizado por autores como Isac Asimov e Gene Rodenberry vai permanecer apenas na ficção.
    E como sempre, os escritores estavam à frente de seu tempo.
    Eu também gostava de American Flaag!, mas achei o Duro de Matar - Ano Um (também do Chaykin) muito chato.
    Valeu.

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