segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Prisioneiro - Série Cult dos anos 60

Há cerca de quarenta anos, os produtores de cinema e de TV, dentro do clima favorável da Guerra Fria, deliciavam os espectadores com filmes de espionagem. Desde da série 007 e suas inúmeras imitações, passando pelo Agente da U.N.C.L.E., Missão Impossível (a série antiga), Danger Man e até a sátira do Agente 86, entre outros. 


O que tinham em comum estes filmes e séries?


Dois lados bem definidos (o da “liberdade” versus “vermelhos”), heróis invencíveis e claramente comprometidos com o lado do “bem”, belas mulheres como parceiras, vítimas ou inimigas e ações mirabolantes.


O que se diria de uma série que começa com o herói renunciando, sendo posteriormente aprisionado por alguém que não revela de que lado está, quase não há interação do herói com mulheres bonitas (a única prisioneira que se apaixona por ele é feia que dói)? Um fracasso?


Não! Contrariando as próprias expectativa do criador da série, principal roteirista e ator – Patrick McGoohan – a série foi um sucesso e tornou-se cult, sendo referenciada em vários outros filmes claramente ou veladamente, como Babilon Five, Lost, O Sistema e até Os Simpsons, onde Patrick McGoohan dubla o personagem que é um caricatura sua, além de uma música do Iron Maiden ("The Prisoner").


Elementos da série


Após ter se demitido do cargo de agente secreto do governo britânico, um ex-espião (cujo nome jamais é mencionado na série) é seqüestrado em sua casa e levado para um local desconhecido, The Village.


A cada episódio da série começa com o seguinte dialogo:


– Where am I?
– In the Village
– What do you want?
– Information
– Whose side are you on?
– That would be telling . . . We want Information
– You won't get it
– By hook or by crook . . .We will
– Who are you?
– The new Number Two
– Who is Number One?
– You are… Number Six
– I am not a number . . . I'm a free man! (risada de escárnio)



Note algumas coisas:


• O personagem que representa o inimigo se apresenta como “novo número 2”. Por que o novo número 2? Porque, durante a série o número é trocado sistematicamente a cada episódio.
 

• Há a pergunta “Quem é o número 1?”. Esta pergunta percorrerá toda a série sendo o seu principal mistério. Os outros? Onde é a Vila? Por que e para quê estão fazendo prisioneiros? Que tipo de informações desejam?

• Qualquer tentativa dele de sair do Village redunda em fracasso. 

• Ao longo da série, a busca de informações pelos supostos dirigentes do Village muda para uma única pergunta: “Por que você renunciou?” Outra pergunta que ficará sem resposta.

• Há uma série anterior de espionagem com o mesmo ator, chamada Danger Man. Uma das perguntas que ficam sem resposta é se o Número 6 era o mesmo espião protagonista da série Danger Man. Patrick McGoohan é silente a este respeito, já que em nenhum momento é dito o nome do personagem. Com certeza foi para dar uma interrogação à mais para que o espectador tivesse com que especular entre um episódio e outro.

• Rede de referências complexas. Há citações bastante claras a outras obras de ficção: Alice no País das Maravilhas e no Reino do Espelho (num dos episódios há um imenso jogo de Xadrez, e um dos personagens foi representado pelo mesmo ator que representou o Chapeleiro louco na versão televisiva do livro), O Processo de Kafka (Patrick McGoohan fez uma ponta na versão de Orson Wells para o cinema), o Gabinete do Dr Caligari. Só para citar alguns.

• Fala de tecnologias que só se tornaram realidade muito tempo depois. Realidade virtual (parece até que foi escrito nos anos 90!), técnicas de manipulação psicológica (Edir Macedo ficaria com inveja...), inteligência artificial (engatinhando na época). 

• Desumanização face à burocracia estatal que reduz a pessoa a apenas um número em um banco de dados. "I am not a number, I am a free man!"

• A música da abertura é um rock, porém na realidade é Vocalise, uma peça de Sergei Rachmaninov (compositor russo) tocada com arranjo e velocidade de rock, sublinhando para os nerds da época a ambigüidade do enredo.


Ao longo da série o número 6 será inúmeras vezes torturado, terá seu cérebro lavado, será enganado por outros prisioneiros e será perseguido pelo dispositivo de segurança da ilha, uma bola de plástico flutuante que persegue o fugitivo o captura e devolve ou o mata por sufocação. A onipresença desta arma, sua capacidade de matar de forma cruel e a quase impossibilidade de escapar de seu ataque lembra o monstro da ilha de Lost.


Não há nenhuma privacidade aos prisioneiros da vila, todos são vigiados o tempo todo por câmaras que a vasculham. Todas as dependências de suas residências também têm câmaras que vigiam seus ocupantes. Novamente, Lost bebeu dessa fonte.


Anti-spoiler. Não leia os próximo s dois parágrafos se não quiser saber detalhes da série


A série dá a entender que o Village sempre existiu. Há prisioneiros velhos e muitos deles estão na ilha a tanto tempo que não se lembram de sua existência livre. Há até um cemitério e em um dos episódios aparecem crianças. Muitos analistas da série vêem esta abordagem como um simbolismo da sociedade como um todo. 


A série termina de um modo abrupto e caótico, num episódio cheio de referencias surreais e alegóricas, aumentando em vez de responder às perguntas. Milhares de artigos tem sido escritos deste então por nerds do mundo inteiro, rendendo até teses de doutorado, sociedades que se dedicam a discutir a série e constantes reprises (nos EUA, Inglaterra e Canadá) e promessas de refilmagens.


Episódios


A série é composta por apenas 17 episódios. Concebida inicialmente para ser uma mini série com 7 episódios, foi estendida para 17 quando um dos produtores convenceu Patrick McGoohan, ocriador de O Prisioneiro, do seu potencial de audiência, dada o clima envolvente conseguido com um enredo complexo e intrigante. 


Os DVDs disponíveis mostram a seqüência dos episódios de acordo com o que foi apresentado na primeira vez , mas não refletem a ordem autoral dos episódios, tal como foram concebidas.


A seguir, uma lista de episódios com uma sugestão de ordem de assistir.


1) The Prisoner - 1x01 - Arrival
2) The Prisoner - 1x03 - Dance Of The Dead
3) The Prisoner - 1x04 - Checkmate
4) The Prisoner - 1x05 - The Chimes Of Big Ben
5) The Prisoner - 1x02 - Free For All
6) The Prisoner - 1x09 - Many Happy Returns
7) The Prisoner - 1x08 - The Schizoid Man
8) The Prisoner - 1x07 - The General
9) The Prisoner - 1x06 - A, B And C
10) The Prisoner - 1x14 - Living In Harmony
11) The Prisoner - 1x10 - It's Your Funeral
12) The Prisoner - 1x13 - Do Not Forsake Me Oh My Darling
13) The Prisoner - 1x11 - A Change Of Mind
14) The Prisoner - 1x12 - Hammer Into Anvil
15) The Prisoner - 1x15 - The Girl Who Was Death
16) The Prisoner - 1x16 - Once Upon A Time
17) The Prisoner - 1x17 - Fall Out



Se você possui a caixa de DVDs NÃO assista primeiro o vídeo promocional (Vídeo Companion) pois ele é um gigantesco spoiler.


Merece atenção especial o episódio Living In Harmony que não passou nos Estados Unidos por alguns motivos bizarros, segundo alguns comentaristas: o canal que exibia a série menosprezou a inteligência do publico achando que os espectadores ficariam confusos com o início já que a abertura era diferente (se a cor da grama muda o burro morre de fome). Outro motivo seria que ele brinca com muita ironia como Western uma instituição americana por excelência. O terceiro e mais provável é que há uma mensagem pacifista explícita no episódio e os EUA estavam plenamente comprometidos com a Guerra do Vietnã. 


Infelizmente no Brasil só encontramos a série importada.


Hipóteses


Advertência anti-spoiler. Se você quiser ver a série sem pré-julgamentos, não leia este tópico.
Dada a ambigüidade do enredo, e as perguntas que ficaram sem resposta ao longo de 40 anos, seus fãs teceram hipóteses (alguns levaram ao extremo de construirem teses de doutorado) para explicar algumas coisas:


1) Por que foi contruído The Village?
 

Hipótese: The Village foi construído para obter informações durante algum conflito (Segunda Guerra Mundial?) e ficou isolado, continuando a agir em nome do propósito de obter informações, cujo motivo foi esquecido (Isso não lhe lembra Lost? Apertar uma seqüência de números de tempos em tempos sem ninguém saber porquê?)


2) Danger Man era o número 6?
 

Hipótese 1: Não. Pessoas ligadas à Patrick McGoohan afirmam que ele não queria que houvesse esta referência. A influência mais forte dele era O Processo de Kafka, que deu um sobrenome que era apenas uma letra a seu personagem (Joseph K.). Mesmo que fosse, o espião sofreu um completo processo de desumanização, de tal forma que seu nome pouco importa.


Hipótese 2: Sim. O personagem apresenta os mesmo traços de comportamento e personalidade do espião John Drake em Danger Man. Patrick McGoohan, segundo estes fãs, não era um maneirista, que só sabia interpretar o mesmo personagem. Citam trabalhos em outros filmes onde vive outros personagens tão bem quanto o número 6 ou Drake. Alguns chegam a analisar falas do numero dois e do próprio número 6 que fazem referências indiretas ao personagem (inclusive erros gramaticais e de dicção).


3) Por que o espião renunciou?
 

Hipótese 1: Pouco importa. As únicas resposta que ele dá a seus captores é que “as razões são pessoais”, ou “eu queria umas férias” (quando ele está em seu apartamento pouco antes de ser seqüestrado há prospectos hotéis que ele põe na mala, dando a entender que sairia em uma longa viagem.).


Hipótese 2: Motivos pacifistas. O espião estaria cansado de participar de uma guerra sem fim e sem quartéis, que violava princípios íntimos. Defensores deste ponto de vista ilustram seu argumento com passagens e até episódios inteiros em que há alguma mensagem pacifista, bem como as crenças pessoais de Patrick McGoohan.


4) Quem é o número 1?

Hipótese 1: Não há número 1. Quando há um número 2 tendemos a pensar que há um número 1. Se eu quiser confundir, crio um número 2 sem um número 1.


Hipótese 2: Um super computador. Isso seria bem típico dos anos 60, onde o complexo de Frankstein dominava a ficção científica. Um dos episódios explora esta possbilidade (The General).


Hipótese 3: A própria sociedade do The Village ou a Sociedade como entidade metafísica. Esta é a hipótese mais forte devido a influência de Kafka e d’ O Processo.


Hipótese 4: Um personagem secundário que aparece quase sempre e tem uma atuação bem discreta. Quem é? Veja a série, em especial o episódio A Change Of Mind (talvez o melhor da série). Dê uma boa olhada na última cena.


Hipótese 5: O próprio serviço secreto inglês. Defensores deste ponto de vista apontam o episódio Many Happy Returns como um forte indício desta possibilidade.


Hipótese 6: O próprio número 6. Esta hipótese divide os fãs e especialistas. Há alguns indícios que apontam para esta possibilidade. O principal é na abertura, quando o número 6 pergunta quem é o número 1. O número 2 responde: You are (dá uma pausa) number 6. Os que argumentam contra apontam a completa ignorância do personagem em relação às ações do número dois sobre ele. No que são rebatidos pelos defensores que apontam a conotação simbólica da série, como se o número 1 fosse o inconsciente do número 6.


Hipótese 7: Escreva aqui a sua!


Referência principal:


Este é o site oficialhttp://www.the-prisoner-6.freeserve.co.uk/


Outra página de fãs, francesahttp://www.leprisonnier.net/


Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/The_Prisoner

Estas, de fãs brasileiros: http://www.cinemaemcena.com.br/forum/printer_friendly_posts.asp?TID=12313
http://www.sobrecarga.com.br/node/view/2250
http://www.sobrecarga.com.br/node/view/2318



Nerd Shop:
O Prisioneiro. DVD Importado. Livraria Cultura.
Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 7/01/2008

6 comentários:

  1. Outra série que foi inspirada por The Fugitive foi Twin Peaks (nas palavras do próprio David Lynch).
    Ótima série e que está com um preço acessível na amazon.
    Aquele abraço.

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  2. Bacana o blog!

    Seriados nerds são bons!

    Dê uma olhada no nosso post top 10 seriados NERD em http://nerdwiki.com/2013/10/29/top-10-seriados-nerd-1/

    Dê uma força, sei que ela está com você!
    Obrigado.

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  3. 1. O número 1 de fato existe, física e claramente, basta assistir o último episódio. Esta associado a um míssil nuclear (aliás, um míssil Titan, de uso misto, militar e civil - civil no caso das pesquisas espaciais da época) que, inclusive, é lançado da Vila. O número 1 tem um poder especial de comunicação, quase telepático, sobre seus serviçais. Aparentemente é uma máquina.
    2. Conclusão. Eu, e somente eu, sei a quem Patrick realmente alude ser o número 2.

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  4. Não tem discussão sobre quem é o número um, ele é o próprio número 6. Quem viu a série sabe, tá no último episódio. Inclusive no episódio Many Happy Returns podemos ver que o número da casa do Nr.6 em Londres é o número um, sempre foi. E no fim do episodio novamente. O Próprio McGoohan fala isso em entrevistas disponíveis no youtube. Ele é o nro 1, que significa o indivíduo. Por isso a vila não tem número um, pois é um coletivo. A questão é que o número um não é quem "manda na vila". A pegadinha é que quando o nro 2 fala no telefone com seu "superior" ele nunca se refere a pessoa como número um.

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  5. Olha aqui a entrevista do criador que explica para quem não entendeu o que ele quis dizer com o final: http://www.youtube.com/watch?v=-XQrcyGJaj0
    Pelo amor de deus que dizer que o nro e´ o míssel... essa é só a primeira camada! eh o mesmo que dizer que é um macaco (a segunda camada). Quando tu tira essa última máscara você LITERALMENTE vê que o número 1 é o número 6.

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    1. Ou seja, uma coisa é discutir quem é o nro. 1. Isso não se discute, é o nro. 6. Outra coisa é discutir quem manda na vila. Ai sim, tu pode ter mil teorias práticas. Mas dai na minha opinião, e ai sim é uma opinião, a vila representa uma sociedade acéfala, é como uma hive-mind. Existe uma burocracia que manda na vila, e o número 2 é apenas um serviçal desta câmera de controle (os caras sentados com máscaras nas cadeiras). A insignificância do governador é provada pelo fato de que ele muda todo episódio, mas o sistema persiste. É a opressão do indivíduo. Se tu tem um líder, tu deixa de ter a opressão do indivíduo por que o líder é um indivíduo. Por isso não há número um no sentido "James Bond - Blofeld". Existe uma sociedade derrotada, exatamente como a nossa, que se submete sem questionamentos, do rico ao pobre, do analfabeto ao cientista ou filósofo.

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