sábado, 27 de fevereiro de 2010

Vikram e o Vampiro

Ficha Técnica
Vikram e o Vampiro
(Vikram and the Vampire or Tales of Hindu Devilry)
Autor: Coletado e adaptado por Richard Francis Burton
Tradutor: Sérgio Augusto Teixeira
Editora: Círculo do Livro
Páginas: 224
Ano: não disponível

Sinopse: Vikram e o Vampiro é um livro de narrativas hindu, coletadas no século XIX pelo pesquisador inglês Richard Francis Burton. Neste livro, o grande rei Vikram, considerado como o rei Arthur do Oriente, é colocado por um inimigo numa situação em que tem que levar para um iogue um baital – espécie de espírito maligno da mitologia hindu que toma a forma de morcego e habita cadáveres.

Os mitos tratados por este livro são citados por alguns pesquisadores como uma das influência na formação do mito do vampiro ocidental.

O livro inicia contando a história do grande rei, desde quando resolveu abandonar o trono, deixando seu irmão no lugar para aprender na prática a conhecer a arte de governar, vivendo no mundo exterior. Após algum tempo, sente a necessidade de voltar e descobre que seu irmão, perdidamente apaixonado por uma jovem abandonara o reino a sua própria sorte ao fracassar no amor. Retomando a rédea do reino, o rajá Vikram conduz o país à prosperidade. Quando tudo parece bem, descobre que tem um inimigo poderoso, um iogue que foi ofendido por seu pai e que jurara vingança.

Este iogue parece depois de algum tempo, disfarçado de um rico marajá e com este disfarce consegue convencer o rajá a ir a seus domínios, o local onde são cremados os mortos. Neste ambiente, o iogue convive com criaturas malignas e almas sofredoras.

O rei, iludido pelo disfarce do iogue, se comprometera ir lá junto com seu filho e fazer o que o homem santo quisesse por uma noite. Vikram, sendo um homem de palavra, mesmo percebendo que se tratava de uma armadilha, não se recusa.

A tarefa era retirar um vampiro de sua árvore e levá-lo até ele. O rei encontra o demônio e luta com ele. O baital ou vampiro, mesmo tendo certa superioridade física sobre o rei, diante da determinação de Vikram em levá-lo, cede a seus desejos, para evitar uma luta interminável. Impõe uma condição: no caminho, o rajá deverá escutar suas histórias.

No final da jornada, o rei aprenderá uma lição.

Este tipo de narrativa é bastante comum no oriente, sendo As 1001 Noites o exemplo mais conhecido. Uma grande história serve de pano de fundo para muitas outras histórias, que são narradas por um dos personagens. Às vezes, uma destas histórias contém um terceiro nível de história, que poderá ter dentro de si ainda um quarto nível. Abrem-se diversos parêntesis que serão fechados um a um durante a narrativa. Recurso bastante utilizado em novelas de TV e séries como Arquivo X, Lost e outras.

As histórias que o baital conta tem um padrão: normalmente são pequenas charadas filosóficas onde o ouvinte tem que julgar umas entre duas ou mais alternativas, geralmente envolvendo comportamentos de personagens ou generalizações a respeito da natureza humana. A cada resposta correta que o rei dá, o vampiro interrompe a narrativa e volta a se pendurar na sua árvore, forçando o monarca a voltar e prendê-lo novamente (um pretexto para ele contar outra história). Aí está o comportamento vampiresco: o que ele toma de Vikram é seu tempo.

As histórias, dentro das limitações culturais de Richard Bourton, permitem uma visão da cultura hindu, de seus usos e costumes. O pesquisador procurou traduzir os textos com isenção, porém percebem-se alguns preconceitos, sobretudo nas notas de rodapé e na seleção das histórias (ele traduziu apenas 11 das 25 histórias, por julgar que apenas estas 11 eram relevantes, segundo critérios exclusivamente pessoais).

Merece especial atenção a última história, onde percebemos a intenção de Richard Bourton em ser isento. Nela o vampiro conta, como se fosse uma visão de futuro, a invasão inglesa, descrevendo a cultura ocidental com olhos sarcásticos, criticando modos de vestir, de se comportar, de se relacionar e a hipocrisia do cristianismo pregado pelos ingleses, que diziam uma coisa e faziam outra. Chama-os de párias brancos.

O vampiro, ao longo de toda a narrativa, não poupa também a própria cultura hindu que permite a queima de viúvas junto com seus maridos falecidos, penalidades cruéis e ambiguidades daquilo considerado "santo".

Percebe-se aqui um recurso do autor hindu dos textos: o vampiro, por já ser um ser condenado, pode falar o que quiser. Assim além das críticas culturais, pode se dar ao luxo de colocar detalhes considerados eróticos para a época, mostrar cenas de violência e cutucar os poderosos.

Alvaro A. L. Domingues

Vampiros e Ficção Científica

A Ficção Científica sempre andou de braços dados com os gêneros Horror e Terror, já que, juntamente com o Fantástico, lidam exatamente com as mesmas questões limites da realidade e da fantasia.

Dentro desta mistura, há as histórias de vampiros. Segundo alguns críticos, o que vai dizer se a história é Terror ou Ficção Científica são as explicações. Se o vampiro for fruto de um ataque de vírus, de uma doença hereditária ou se ele for um alienígena ou alguma forma de vida não sobrenatural, a história é FC. Se não houver explicação nenhuma para a causa do vampirismo ou ela for originada por magia ou maldição é Terror ou Horror.

 
Drácula está bem longe da FC (será!?)

Levando isso em consideração, vamos apresentar algumas histórias de FC que envolvem vampiros em seu enredo. A primeira delas é do pioneiro H. G. Wells, A Floração da Estranha Orquídea escrita em 1896, conto reproduzido na antologia O Vampiro Antes de Drácula, publicado pela editora Aleph. O ser vampiresco aqui é uma planta. Como todas as histórias de Wells, esta também é apenas um pretexto para criticar a sociedade onde vivia, a Inglaterra Vitoriana. No caso, é a vida medíocre da classe média e seus preconceitos gerados por olhar o apenas o próprio umbigo.

Em 1954, Richard Matheson escreveu o excelente Eu sou a Lenda (esqueçam qualquer adaptação cinematográfica – ninguém acertou a mão, muito menos Francis Lawrence e Will Smith), onde num mundo atacado por um vírus, todas as pessoas são transformadas em vampiros, menos uma que se dedica então a matar vampiros. Matheson além de criar uma excelente trama procura inserir e explicar todos o elementos das lendas dos vampiros, por exemplo a estaca, o alho e o crucifixo. As explicações são toscas por que são obtidas pelo personagem principal, sem muitos recursos para fazer uma pesquisa séria. Há até um certo humor: o que aconteceria com o crucifixo, se o vampiro fosse judeu?

Vampiros de Almas surge nas telas do cinema em 1956. Neste filme arrepiante, seres alienígenas vegetais vampirizam a personalidade das pessoas, clonando-as e ocupando seu lugar na sociedade. A metáfora aqui é a paranóia vigente nos anos 50 nos EUA. De um lado, o governo americano alimentando o medo ao comunismo e, do outro, o medo de uma perseguição marcatista promovida por este mesmo governo, fazendo todos desconfiarem de todos, inclusive de parentes muito próximos (irmãos, filhos, cônjuges).

Colin Wilson escreveu, em 1976, Vampiros do Espaço, onde astronautas recolhem de uma antiga nave extraterrestre orbitando a Terra, seres humanóides aparentemente mumificados. Inadvertidamente libertam seres de energia que parasitam humanos, vivendo a custas de sua força vital. A intenção dos seres é preparar uma invasão e usar os terrestres como uma espécie de fonte de alimentos para eles. Só por esta sinopse, percebe-se uma clara influência de H. G. Well (A Guerra dos Mundos). Como Wells, Colin Wilson tinha outras preocupações por trás de seu romance. Psicólogo, usa os alienígenas infiltrados como pretexto para analisar o comportamento humano. Ocultista, usa este romance para introduzir suas crenças. Político, critica o comportamento “duas caras” dos políticos, pois um dos infiltrados é o próprio Primeiro Ministro da Inglaterra, que não percebe a presença do alienígena, por estar habituado a dizer uma coisa e fazer outra.

Indo para a pura diversão, temos a pulp ficction, escrita em 1980, Sabella, uma Vampira nas Galáxias, da escritora inglesa Tanith Lee. Neste livro, a ambientação é num planeta similar a Marte, colonizado pela Terra num futuro longínquo. O livro é contado do ponto de vista do vampiro que desconhece as causas de seu estado. Sabella é uma descendente de terrestres que vive neste planeta e aos poucos vai descobrindo sua natureza vampiresca e sua real origem. Há um caçador que a persegue, que parece saber mais sobre ela do que ela mesma. Aqui a FC está bem caracterizada, com uma boa ambientação extraterrestre, alguns artefatos e uma boa descrição de uma raça alienígena extinta e da causa do comportamento vampírico.


No limite entre o Terror e a FC, temos dois contos onde fica em aberto a origem do vampiro, mas há alguma tendência apontando para seres evoluídos, artificiais ou alienígenas.

O primeiro deles é O Horla de Guy de Maupassant, também presente na antologia O Vampiro Antes de Drácula. Publicado originalmente em 1886, o vampiro é um ser não humano e invisível, que se apodera de seu hospedeiro e o controla e dele se alimenta. Aqui o horla seria um sucessor da raça humana, produto da evolução não necessariamente do homem.

O segundo é um conto de Ray Bradbury, O Hóspede do Segundo Andar, publicado pela primeira vez em 1947. Um menino vai para casa da avó para ficar hospedado alguns dias, durante suas férias. A avó, por viver sozinha, aluga um dos quartos da casa. Crimes começam a acontecer nas imediações. Suspeita-se que os crimes estão sendo praticados por um vampiro. O menino começa desconfiar do hóspede pelo seu comportamento estranho: dorme de dia, evita a luz e espelhos, etc. Quando o vampiro é morto, seus órgãos internos são formas geométricas gelatinosas (cilindros, esferas, pirâmides, cones etc.), dando a entender ou que é um ser artificial ou não humano. Aqui o tema é “o estranho em casa”. A avó, ao saber dos crimes, se sente segura de estar em casa, mas na realidade abriga o assassino.

O que dificulta a classificação destas duas histórias como sendo FC é a ambigüidade com que são narradas as descrições e ações dos vampiros. No caso de Maupassant, a história é contada em primeira pessoa por uma das vítimas do vampiro, que não tem condições de analisar cientificamente o fato tanto pela sua condição de vítima, como por não conhecer em profundidade alguns conceitos científicos. Isso permite que se paire dúvidas no ar, inclusive da sanidade do personagem-narrador.

No caso de Bradbury, apesar do narrador ser em terceira pessoa, ele olha do ponto de vista do menino, aterrorizado e ao mesmo tempo, determinado a resolver a questão. Mas também não tem conhecimentos técnicos nem maturidade emocional suficientes para analisar.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Star Trek XI

Ficha Técnica

Star Trek XI
(Star Trek XI – The Future Begins)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: Roberto Orci e Alex Kurtzman
Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Leonard Nimoy, Eric Bana, Winona Ryder
Duração: 126 minutos

Reconstruindo o Universo

Sinopse: A juventude de Kirk, Spock e McCoy até o seu primeiro e marcante contato com a U.S.S. Enterprise.

A proposta do novo filme de Star Trek, dirigido por J.J. Abrams, é reconstruir o universo. Mexer com ícones que ultrapassam o conjunto de fãs e são parte do inconsciente coletivo da humanidade é um desafio e tanto. E foi o que Abrams conseguiu com grande maestria.

Colocando a famosa tríade na juventude entre 18-25 anos, sendo McCoy o mais velho, justifica alguns comportamentos mais arrojados tanto de Spock quanto de Kirk, um verdadeiro garoto problema.

Isso é feito com a reverencia de um fã, que gosta dos personagens mas não teme extrapolar o que já foi narrado e imaginar como foi o começo da amizade que amalgamou os personagens ao longo de três temporadas e seis filmes para o cinema.

A ousadia de J.J. Abrams os coloca em uma situação bastante emocionante em vários sentidos. O estresse da ação constante, a pressão psicológica sobre personagens com mortes de entes queridos, decisões difíceis, o apetite sexual de Kirk e a paixão contida de Spock.

Tudo isso temperado com um humor que arranca risadas da plateia em diversas cenas. Um humor que também estava presente na série clássica, mas de forma mais branda.

E com muita ação, com lutas corpo a corpo, batalhas espaciais e até implosões de planetas, tudo dentro de um timing preciso e perfeito, que tira o fôlego do espectador.

Há ainda referencias interessante, como ao Capitão Pike, presente no episódio piloto que nunca foi ao ar, e a vários episódios e elementos da série e dos longas, sobretudo A Ira de Khan. Mas, apesar dessas referências, o filme funciona na medida também para quem não é fã, sendo totalmente autocontido.

Personagens de apoio (talvez mais do que isso) não são esquecidos, como Checov, Uhura, Sulu, Scott e até os “Camisas Vermelhas”, que às vezes estão lá apenas para serem mortos.

Se há uma crítica a ser feita é um pequeno excesso de sentimentalismo que o diretor usa para humanizar Spock, mas isso não chega a comprometer o enredo.

Os fãs mais aguerridos detectarão várias contradições. Mas eu perguntaria a eles:

– Vocês vieram aqui pra se divertir com uma boa história ou para procurar pelo em ovo? 

Vida Longa e Próspera! 



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Vampiros e Star Trek neste sábado (27/02) em São Paulo

Vampiros

Na Biblioteca Pública Viriato Correia, ocorre a mesa redonda O vampiro na literatura brasileira, com a participação dos escritores M. D. Amado (“Draculea”, “Metamorfose”, “Poe 200 Anos”, “Necrópole” e “Empadas e Morte”) e Adriano Siqueira (“Draculea”, “Amor Vampiro” e “Metamorfose”) e a mediação de Georgette Silen.

Após a mesa-redonda, haverá leitura dramática e o lançamento da antologia O Grimoire dos Vampiros, da Editora Literata.

Evento: Mesa redonda:  O vampiro na literatura brasileira e lançamento da antologia O Grimoire dos Vampiros
Data: 27/02/2010, sábado, às 15h30
Local: Biblioteca Pública Viriato Corrêa.
Rua Sena Madureira, 298,
Vila Mariana, Zona Sul.
São Paulo – SP
Tel. +55(11) 5573-4017.

Star Trek

Também no próximo sábado, 27/02/2010, será lançado a versão de Star Trek XI, o filme de J. J. Abrams, em DVD e Blue Ray. O envento ocorrerá na Livraria Saraiva do Shopping Center Norte em São Paulo, no dia 27/2, sábado, às 20 horas

Evento: Lançamento do filme Star Trek, em DVD e Blue Ray
Data: 27/02/2010, sábado, às 20:00 h
Local: Shopping Center Norte
Travessa Casalbuono, 120
Vila Guilherme
São Paulo – SP
Telefone: +55(11) 2224-5959

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Os Guardiões do Tempo

Ficha Técnica

Os Guardiões do Tempo
Autor: Nelson Magrini
Editora: Giz Editorial
Ano: 2009
354 páginas

Sinopse: Três pré-adolescentes, Edu, Rogério e Cecília, são levados ao futuro distante porque um deles, devido a seu DNA, pode acionar uma máquina que salvará todo o império galáctico terrestre.

Quem conhece Nelson Magrini de seus livros anteriores, (Anjo, a Face do mal e Relâmpago de Sangue) com certeza vai estranhar muito este aqui. Isto porque é dirigido à faixa etária dos pré-adolescentes (por volta de 10 a 14 anos). Isso normalmente significa muita aventura e que, no caso deste livro quase todo “solar”, a maioria dos eventos ocorre em plena luz do dia (seja em que parte da galáxia for). É uma soma de desafios ao autor.

Um dos desafios que Magrini vence é o de dar uma desculpa plausível para que um grupo de adultos se torne impotente e precise lançar mão de pré-adolescentes para conseguir resolver o problema: Leidor, o criador da máquina, escondeu-a num lugar e a si mesmo em outro. Além disso, a fez para ser acessada apenas por ele mesmo. Por coincidência (ou não), Leidor é descendente de Edu, que por algum capricho da natureza (será?) tem exatamente o mesmo DNA que ele.

E por que não pegar o Edu adulto? Esta pergunta Edu faz ao comandante Vus, o viajante do tempo que veio buscá-lo. Não vou mostrar a resposta, para não gerar um spoiler desnecessário, mas o fato do autor ter posto esta pergunta na boca de um personagem indica que houve esta preocupação para deixar o enredo consistente.

O livro tempera muito bem aventura e humor, criando mistério, suspense e até dando alguns sustos um pouco maiores (como, por exemplo,quando o trio está perdido num planeta onde numa mata extremamente densa e não deveria existir nenhuma vida animal ali, mas existe algo muito ameaçador).

Para haver aventura é preciso de inimigos poderosos. O autor escolhe o samesses, raça alienígena descontente com a hegemonia da Terra, com uma armada poderosa e disposto até a destruir sistemas planetários inteiros para evitar que a máquina de Leidor seja encontrada. Esta raça é ajudada por um grupo de traidores infiltrados no alto comando do Império Terrestre, que o consideram retrógado e decadente.

O primeiro e maior mistério é o que motiva a aventura: achar a máquina de Leidor. O inventor a escondeu e espalhou pistas de onde ela estava por toda a galáxia de modo a montar um quebra-cabeças, onde uma peça leva à outra. O segundo é uma nave negra, que os acompanha o tempo todo e os ajuda em momentos cruciais. Quem será? Por fim, quem são os traidores? A presença de traidores ajuda a justificar o pouco aparato usado na busca, já que, se fosse acionado algo maior, o inimigo seria prontamente alertado.

O humor fica por conta de Dig e Dreg, dois alienígenas meio atrapalhados, que, nos momentos que o ritmo da aventura diminui, ou falam demais e de forma repetitiva ou usam gírias e regionalismos inadequados para agradar os visitantes. Outro alívio cômico é Fyscat, um comerciante que o trio encontrou no caminho e reaparece em outros momentos. Ele é um colaborador relutante, que está ali apenas por acidente (ou foi empurrado?) e só faz as coisas porque não tem outro jeito (sua própria pele ou o seu negócio estão em jogo). Os viajantes do tempo não conseguem pronunciar seu nome, pois cada vez que o ouvem é diferente, gerando uma reação irada do personagem.

O trio de pré-adolescentes também é divertido. Rogério e Edu estão sempre brigando por motivos fúteis, mesmo em momentos de grande tensão. Há um capítulo hilariante, quando os três têm que se infiltrar numa escola, pois a pista está escondida no seu sistema de computação. Uma intervenção de Rogério no sistema acaba gerando uma grande confusão para desespero do diretor da escola.

O suspense aparece quando trio enfrenta ou a hordas samessas ou perigos inesperados nos planetas em que visitam, às vezes se salvando no último segundo, garantindo o ritmo da narrativa.

Para dar equilíbrio entre os três personagens e garantir o suspense, o autor às vezes separa o trio, depois mostra ora um lado ora outro, narrando ambos os pontos de vista. Isso coloca o leitor em contato com as preocupações de um personagem em relação a seus amigos e permite o gancho, suspendendo a narração de um lado num momento crucial e passando a contar a do outro. O clímax deste tipo de situação às vezes é uma convergência dramática.

O livro é finalizado com um desfecho bem movimentado e emocionante, que agradará a seus jovens leitores.

Atenção! Contém spoliers.

Apesar de bem escrito e cumprir seu papel como obra de diversão, o livro apresenta algumas inconsistências. A maioria delas passa desapercebida pelo ritmo do livro, porém há uma que deve ser apontada: justamente na cena que o autor cria para dar o efeito surpresa no final (se você desejar ser surpreendido, só leia os parágrafos seguintes após a leitura do livro).

Edu arrisca sua vida temerariamente expondo-se aos tiros dos samesses, pois acredita que o passado é inviolável e estará imune. Sua teoria se revela verdadeira e ele consegue acionar a máquina de Leidor, mesmo tendo levado vários tiros dos samesses sem sequer ser ferido.

Todavia o grupo logo é confrontado com um guardião do tempo, que os ajudou à distancia (às vezes não muita) a concluírem sua aventura. Este guardião diz que sua função é estabilizar o passado, para evitar que o presente seja alterado. Ou seja, se o passado pode mudar, o truque do Edu não funcionaria!

Como o livro sugere uma continuação, talvez o autor esteja guardando para explicar esta e outras inconsistências num próximo volume...

Nerd Shop

Guardiões do Tempo. Nelson Magrini. Giz Editorial. Livraria Cultura.


Alvaro A L Domingues

Nevasca

Ficha Técnica:
Nevasca (Snow Cash) 
Autor: Neal Stephenson
Tradutor: Fábio Fernandes
Editora: Aleph
Páginas: 434
Ano: 2008

Sinopse: Hiro Protagonist é um entregador de pizzas mas também é um hacker free-lancer e o maior espadachim do mundo, segundo ele mesmo. No caminho encontrar-se-á com Y.T., uma adolescente esqueitista e juntos tentarão resolver o mistério de Snow Crash, um vírus-droga-religião que assola tanto o mundo real como o virtual.

Neal Stephenson descreve o mundo como uma distopia caótica depois de uma lenta e inexorável agonia econômica dos EUA. O outrora país mais poderoso do mundo agora é um pequeno estado burocrático, cercado por franquias que são quase-estados independentes, como a Grande Hong Kong do Sr. Lee, ou a Narcolombia. Entre essas franquias está a Máfia, cujo principal negócio aparentemente é... entregar pizzas!

O caos que impera na realidade tem seu espelho num mundo virtual, o Metaverso, onde pessoas, graças a seus avatares, podem ter uma segunda vida, talvez mais interessante que suas vidas reais.

A vida de Hiro, um mestiço meio negro meio japonês, consiste no emocionante trabalho de entregar pizzas para a Máfia. É emocionante porque a Máfia promete pizzas grátis se o horário prometido para a entrega for extrapolado em um segundo apenas, e os clientes passam a fazer absurdos para conseguir isso, inclusive tentando matar o entregador!

No Metaverso, Hiro é um famoso hacker-samurai, respeitado e temido, e lá tem contato pela primeira vez com o Snow Crash (ao pé da letra, Nevasca), oferecido como uma droga para um amigo seu, Da5id. Como no Metaverso tudo é virtual, Da5id resolve aceitar, imaginado ser apenas uma propaganda ou, no pior caso, um vírus de computador, e descobre que Snow Crash não é tão virtual assim.

Hiro passa então a investigar o que vem a ser Snow Crash. Seu caminho cruza com o de Y.T., uma adolescente Kourier (entregadora de pequenas mercadorias de forma rápida), cujo trabalho lembra o dos motoboys, só que em vez de moto, tem um esqueite e um arpão magnético, lançado nos carros para ganhar empuxo.

A partir daí o livro se torna uma ação nonstop (aliás, apenas ganha intensidade), num vai-e-vem entre o Metaverso e a Realidade e entre as mais variadas franquias. Na sua investigação, Hiro irá se deparar com conceitos complexos sobre lingüística e neurologia, religiões muito antigas, vírus biológicos e com o Corvo, que segundo o autor, é o maior filho da puta do mundo, um gigante de mais de 2 metros, oriundo das ilhas Aleutas, com uma tatuagem na testa: "Sem Controle Emocional".

O autor soube muito bem conduzir a narrativa, criando um enredo complexo e carregado de adrenalina. E a complexidade do enredo agradará ao leitor que busca mais do que uma aventura bem feita.

Nevasca (Snow Crash) realmente merece ser considerado uma obra-prima.

Sobre a tradução: o número de conceitos de ciências diferentes (tecnologia da informação, antropologia, história, neurologia, lingüística, psicologia, física, etc.) faz com que o tradutor tenha um trabalho enorme para colocar de forma correta os mesmos termos no português. Há também o linguajar característico do autor e dos personagens, com neologismos e gírias da juventude de um futuro próximo. Algumas vezes a tradução precisa tem que ser sacrificada em nome do entendimento do enredo e a da manutenção do clima da história. Um exemplo disto é o próprio título. Snow Crash é um defeito que ocorre quando uma tela qualquer fica sem imagem e apresenta apenas estática. Em português do Brasil, a palavra para isto é “chuvisco”. Diga lá: você estaria lendo esta resenha se o livro se chamasse Chuvisco?

Dicas Nerd: Se você gostou do livro e ficou intrigado com alguns conceitos, recomendamos as seguinte leituras:

A Estrutura da Magia, de Richard Bandler e John Grinder (LTC): trata-se da obra que deu origem à Programação Neurolinguísitca, uma das bases para a criação de Snow Crash. Antes que você torça o nariz por causa da má fama da PNL, este livro é um trabalho científico sério e tem como base o trabalho do lingüista Noam Chomsky.

Espiritualidade Integral, de Ken Wilber (Aleph): o livro trata de uma tentativa de aproximar uma série de conceitos ocidentais e orientais dentro de um arcabouço teórico comum, envolvendo ciência, filosofia e religiões, visando criar uma supermetaciência. O que seria Hiro? Um japonês-negro-americano-mafioso, a concretização viva das pretensões deste livro...

As Máscaras de Deus, de Joseph Campbell (Palas Athena): Joseph Cambell é famoso por ter sido o maior mitólogo de todos os tempos e consultor de Jorge Lucas em Guerra nas Estrelas, nos episódios IV, V e VI. É dele a idéia de começar pelo episódio IV para existir a surpresa de I am you father. Neste livro ele trata especificamente de como os povos vêem Deus.

O Herói de Mil Faces , também de Campbell (Cultrix): aqui ele trata especificamente do mito do Herói nas diversas culturas.

Alvaro Alipio Lopes Domingues

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Ficção Científica Clássica e a Internet

A ficção científica clássica, sobretudo nos anos 60 e 70, caracterizou-se principalmente na tentativa de antecipações tecnológicas, normalmente baseadas na projeção da ciência contemporânea. Dessa forma, devido à guerra fria russo-americana, a literatura de ambos os lados da cortina de ferro se baseou grandemente na corrida especial. Os computadores também aparecem como enormes máquinas, mesmo em Jornada nas Estrelas, na série clássica. Computadores pequenos e portáteis só apareceram quando já existiam pelo menos os micros Apple II.

Há algumas exceções.

Um conto interessante de Isaac Asimov, escrito em 1959, prevê em seu pano de fundo os microcomputadores (chamados de Microvac, uma variação do nome Univac, o primeiro computador, que surgiu em 1948). O conto chama-se "A Ultima Pergunta" e está presente na coletânea Nove Amanhãs. A temática básica é a entropia versus evolução tanto do homem quanto da máquina (que se torna cada vez menor e cada vez mais onipresente). Graças a este conto, Isaac Asimov, cerca de quinze anos depois, ganhou de presente da Apple um computador. Ele disse em um artigo de então que não via diferença entre escrever à máquina e corrigir a mão e usar o computador. Quem viu a diferença e adorou foi seu editor, que não tinha mais que decifrar longos trechos de garranchos e rabiscos.

1984, de George Orwell, de 1948, pode ser visto como um contraponto ao otimismo de Asimov. As tele-telas podem ser vistas como as atuais web-cans e a perda de privacidade num mundo cada vez mais voyer. Uma antecipação da Internet? Talvez. Porém fica ausente o caráter libertário que a rede propiciou ao mundo, já que a tele-tela era um objeto que não permitia nenhuma interação a não ser do Estado sobre o indivíduo.

Simulacron 3, de Daniel F. Galouye. Escrito em 1963, e que inspirou o filme O 13º Andar. O livro lembra Matrix (que provavelmente bebeu nesta fonte) no que diz respeito a uma sociedade baseada em simulações onde o uso de avatares (ele não usa este termo) em vários níveis é uma constante.

When Harlie Was One, de David Gerrold, de 1972 (com o infeliz título em português O Diabólico Cérebro Eletrônico). Neste livro, um computador de grande porte com inteligência artificial decide construir seu sucessor. O importante neste livro é que aparece o conceito de vírus e de vacina em computadores conectados em rede. 

Nos anos 80 surge o movimento cyberpunk, onde a tecnologia digital é o grande pano de fundo.

O Jogo do Exterminador, de Orson Scott Gard, 1982. Neste livro o tema está muito ligado aos games de ação interativos, onde o real e virtual se misturam. Há também referências um pouco mais explícitas à Internet (que é chamada na péssima tradução brasileira de “as redes”), mas sem muitos arroubos imaginativos do autor. A Internet se resume a grupos de discussão com mensagens de texto.

Neuromancer, de Willian Gibson., coincidentemente de 1984, deu origem aos termos cyberpunk e cyberspaço, que extrapolaram o universo literário. O cyberspaço, como descrito no romance, é um local num espaço virtual onde está toda a informação do planeta, acessível por quem ultrapassar as barreiras de segurança. Qualquer semelhança entre o cyberspaço e a Internet não é mera coincidência.

Islands in the net, de Bruce Stedrling, de 1988 (no Brasil com o péssimo título de Piratas de Dados).Embora Sterling seja um dos ideólogos do movimento cyberpunk, muitos críticos de FC consideram este romance como pós-cyberpunk, pois aponta justamente para as contradições de um mundo supostamente globalizado e interligado em sua totalidade (por isso as ilhas da rede).

Por que tivemos que esperar até os anos oitenta pra alguém ousar especular sobre computadores em uma rede mundial?

Creio que basicamente é muito mais fácil imaginar evoluções de astronaves e robôs do que imaginar de que forma um computador evolui (normalmente só colocamos mais velocidade e inteligência). E que aventura há em ficar digitando num teclado? Melhor colocar a inteligência num robô, que pelo menos caminha com as próprias pernas.

E o espaço (a fronteira final...) é basicamente infinito. Se o homem já chegou à Lua, ir a Marte ou Vênus continua sendo um desafio. E ainda há as estrelas... E por que vou colocar avatares se posso colocar Luck Skywalker lutando ao vivo com Darth Vader?


Alvaro A. L. Domingues


domingo, 21 de fevereiro de 2010

Quadrinhos Internet


Quando a world wide web se popularizou nos anos 90, os mais entusiasmados previam o pronto fim dos quadrinhos impressos acreditando na sua migração para a internet.

Como tudo referente a Internet, esse entusiasmo arrefeceu em pouco tempo. As pessoas perceberam que a web era uma importante e poderosa ferramenta de comunicação que democratizou a distribuição, mas que não necessariamente acabaria com os impressos. A televisão nunca matou o cinema, por exemplo.

Nessa explosão da Internet, os autores de quadrinhos independentes se aproveitaram para divulgar seus trabalhos. As primeiras aparições dos quadrinhos em computadores eram simples escaneamentos em formato de imagem para os leitores verem na tela o trabalho antes feito no papel.

Entretanto, existiam online recursos muito mais interessantes para os quadrinhos do que no papel. Ao instalar um plugin do Macromedia Flash os internautas poderiam ver mini-animações toscas em seus browsers, com recursos multimídia como som e movimentos. Autores competentes poderiam, então, se aproveitarem desses poderosos recursos para gerar uma nova onda de expressão quadrinhística. E, a princípio, foi o que aconteceu.

Enquanto no Brasil víamos a surgimentos dos Combo Rangers pelo quadrinhista Fábio Yabu, que apresentava quadrinhos em Flash com recursos sonoros, mini-animações e diagramações de quadros eficientes para a Internet, nos EUA, o criador da Marvel, Stan Lee, explorava esse tipo de funções numa nova leva de heróis em sua recém-criada Stan Lee Media.

A própria Marvel experimentava os recursos digitais, criando o seu Universo Ultimate diretamente na Internet. Eram períodos de vento em popa para as HQs na web.

Mas, como a bolha especulativa das empresas digitais explodiu, os quadrinhos na Internet também saíram dos holofotes. Na mesma velocidade em que surgiu, a Stan Lee Media fechou as portas. Os Combo Rangers ganharam revista própria, que foi cancelada, e suas cópias sumiram também rapidamente. Já o Universo Ultimate abandonou os computadores para se tornar um dos maiores êxitos impressos da Marvel nos últimos anos.

Só que nem tudo era ruim para o cenário das HQs na Internet. As ferramentas ainda estavam lá, os leitores ainda tinham seus computadores e começava a surgir a banda larga, ou seja, dados muito maiores poderiam ser transferidos com maior velocidade.

Nesse momento, autores criaram os seus blogs e fotologs, divulgando suas ilustrações e tirinhas. Sites como o DevianArt e o ComicsSpace nasceram com a proposta de reunir autores, editores e leitores em torno da produção de quadrinhos digitais.

Paralelamente a isso, uma prática pouco ética tomou os servidores p2p. Como filmes e músicas, leitores passaram a escanear suas HQs preferidas e compartilharem com seus amigos, sem nenhum tipo de remuneração para os artistas. Apesar de questionáveis, tais circunstâncias denotavam uma coisa: há uma geração de leitores que prefere ler na Internet que no impresso, seja pelo preço, sela peça preferência pura e simples.

Visto isso, produtos voltados diretamente para a Internet são cada vez mais comuns. Um exemplo disso é a recente produção do autor de Planetary, Warren Ellis. Sua HQ freakangels é publicada diretamente na Internet. Outro exemplo de quadrinhos publicados na Internet, mais como divulgação da série e parte de seu universo, são os quadrinhos do seriado Heroes.

Atualmente, no Brasil, é importante observar os ótimos blogs de autores, sobretudo cartunistas, que publicam suas tiras diariamente. André Dahmer é um ótimo exemplo, em seu site Malvados o autor publica diariamente tirinhas de humor ácido que já foram compiladas em dois livros, O Livro Negro de André Dahmer e, o mais recente, Malvados, ambos pela Desiderata.



Outros exemplos de autores que tem trabalho relevantes na Internet são Allan Sieber, Arnaldo Branco, Raphael Salimena, Leonardo Pascoal, o argentino Liniers, entre outros.

Mesmo as grandes editoras de quadrinhos usam a Internet para divulgar previews de seus trabalhos ou venderem serviços de assinatura, demonstrando que, apesar dos altos e baixos, a Internet é um forte canal onde os quadrinhos se reproduzem e evoluem.

por Guilherme Kroll Domingues

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Os Simpsons, o filme, na visão do Mito do Herói



Sinopse: A cidade de Springfield é coberta por uma cúpula, colocada sobre ela por causa da poluição do lago. O responsável pela desgraça é Hommer Simpson. Isso atrai o ódio da cidade. Para obter sua redenção perante os habitantes de Springfield e sua família, Hommer deverá salvá-la.

Advertência anti spoiler: leia esta artigo somente após ter visto Simpsons – O Filme, pois revela partes importantes dele. E, se não viu, não vai entender nada. Sugestão; veja o filme, leia o artigo, reveja o filme.

Joseph Campbell, consultor da série Guerra nas Estrelas e amigo pessoal de George Lucas, descreveu em um de seus livros (O herói de mil faces) o processo comum a várias mitos de heroísmo descritos em várias culturas. Ao ver o filme longa de Os Simpsons, reconheci imediatamente as fases de um tipo de herói, descrito neste livro. Hommer é caracteristicamente um protagonis que necessita de uma redenção e num primeiro momento recusa sua missão. Também pode ser visto como Percival na busca do Santo Graal: o heroísmo vem do personagem mais tolo e inicialmente desprezado pela comunidade onde está inserido.
Hommer é um herói trágico (paradoxalmente...) pois deverá combater, tal qual Édipo, o mal que ele mesmo causou.

Limiar da aventura: o herói é arrancado de seu cotidiano

Qual é o cotidiano de Hommer Simpson?
Hommer é um caricatura do americano médio típico. É machista, autoritário com o filho, trabalha num emprego monótono (mas não importa), sua diversão consiste em ir no bar do Moe e comer rosquinhas. Ele é tudo, menos um herói.
Seu cotidiano é perturbado pela visão de seu pai na igreja: uma desgraça que atingirá a todos em Springfield. Aqui encontramos a intervenção do sobrenatural, indicando que, a partir dali, nada mais será normal.
Hommer, como todo herói trágico, ignora as predições, fazendo pouco caso delas. Como complemento das predições está a campanha de Lisa contra a poluição do lago e os esforços de Marggie para compreender as palavras confusas do sogro.

Primeira fase da aventura: a profecia se cumpre

Ignorante de seu destino, Édipo, ou melhor, Hommer irá ao encontro dele. Um dia vê na lanchonete um porco com o qual se afeiçoa. Parte da predição fala de um um rabo encaracolado. Hommer como sempre exagera no que faz: leva o porco para dentro de casa e junta toda a bosta dele num silo. Este silo, que o Sr Simpson irá jogar no lago é o suficiente pra atrair o grande mal, representado pelo governo americano, na pessoa do diretor da Agencia de Proteção Ambiental, Russ Cargill.
Nesta fase, também se estabelece um princípio de confronto com um opositor que é sangue de seu sangue. Siegfried enfrentará, mais cedo ou mais tarde, seu irmão. Bewolf, seu filho. Édipo, seu pai. Ou melhor, é estabelecido um confronto onde são rejeitados os laços de sangue entre Bart e Hommer.

A desgraça prevista acontece: a cidade de Springfield é coberta por uma cúpula e isso atrai o ódio da população em relação a Hommer e sua família.
Vencer o ódio da população de Springfield e transpor a cúpula é primeira prova do herói. Neste trecho claramente ele encontrará auxiliares -- Ned Flanders, Marggie, Meg e Lisa -- e opositores -- toda a população de Springfield, o governo americano, Bart (em uma posição ambígua) e o porco.

Segunda Fase: ida ao paraíso

Escapar da polícia e dos agentes do governo é segunda prova. A terceira é transpor uma prova no globo da morte, para conseguir dinheiro para seguir em frente. A fuga será um sucesso levando o herói a um falso clímax: o encontro do paraíso (representado pelo Alasca). No Alasca terá a vida ideal que sempre desejou.

Terceira fase: a quebra do paradigma do paraíso alcançado

Algo perturba esta paz. Springfield pode ser destruída! No mito do herói, ele deve retornar e salvar seu povo. Ele pode aceitar ou recusar a missão. A recusa será o caminho de Hommer. Só que a recusa tem um preço alto a ser pago.

Ainda que o paraíso (ou o Alasca) seja uma maravilha, Ulisses, digo, Hommer deve voltar! Num primeiro momento, devido sua obstinada recusa, ele perderá seus aliados, ou seja sua família e tudo parecerá perdido. O confronto com Bart é aumentado e ganha contornos mais definidos. Hommer, abandonado e só, joga-se à própria sorte num bloco de gelo num rio.

Quarta fase: encontro com guia espiritual

Porém ocorre uma intervenção mágica do destino. Uma mulher-xamã esquimó encontra Hommer às margens do rio e o resgata. Ela tem o papel de um iniciador, um mestre, que mostrará seu verdadeiro caminho.

Usando uma técnica de respirar rapidamente face a face com seu “paciente”, a xamã tenta levar Hommer a um estado alterado de consciência (essa técnica existe mesmo, e o respirar face a face aumenta a presença de CO2 , gerando uma alucinação por hipóxia).

Hommer deverá obter uma epifania (ou um satori): uma súbita descoberta de uma verdade. Durante sua vivência, ele sofrerá um processo de desmembramento, muito característico de vários heróis. Eles são partidos em pedaços e depois reconstruídos ou “renascidos” com uma outra visão de mundo. Este processo, do ponto de vista da jornada do herói, é o melhor trecho filme dos Simpsons.

Quinta fase: o retorno

O retorno tem tantos desafios quando à partida. Hommer percorre um longo caminho e quase desiste ao perder seus cães que puxam seu trenó. Sem rumo ou esperança, Hommer recebe novamente uma intervenção divina, a xamã aparece-lhe como uma imagem nos céus, apontando o caminho correto.
Hommer fracassa na tentativa de salvar sua família, presa pelo governo americano. Ao retornar não é bem recebido por aqueles que deseja sinceramente salvar. O confronto com Bart aumenta.

Sexta fase: redenção

Usando recursos que aprendeu a utilizar em sua jornada – o globo da morte, por exemplo, Hommer impede a destruição de Springfield e resgata seu respeito perante sua família e, principalmente Bart.

Conclusão

Obras de ficção, especialmente aventuras, costumam seguir uma das muitas variações em torno do mito do herói. Por que? Primeiramente por que os escritores e roteiristas em geral são humanos e tem em seu inconsciente esta necessidade da busca do herói. Em segundo lugar, como isto vem sendo estudado desde Jung, os diretores e escritores racionalmente procuram remeter os espectador a esta busca, visando principalmente a identificação da platéia com um dos personagens da trama. Isso ocorreu com George Lucas (que espertamente contratou Joseph Campbell, considerado por muitos o maior de todos os mitólogos) e certamente ocorreu com Os Simpsons.

Podemos apontar alguns motivos para a segunda opção. George Lucas honestamente afirma que ele queria criar um novo mito que atingisse várias gerações (de fato ele conseguiu), uma garantia de emprego e de fortuna por muito tempo. Outro motivo é que é mais fácil de criar um enredo. Ele já foi escrito por milhares de contadores de história antes.
Simpsons, o filme é bem característico neste aspecto. Eles tinham que espichar um episódio de quinze minutos em uma hora e trinta de filme.

Outro recurso utilizado para esta espichação foi acrescentar enredos paralelos, ás vezes muito mal costurados na trama, como o romance de Lisa por um garoto. E a aproximação Flanders-Bart X afastamento de Hommer como pai (que frequentemente aparece em vários episódios). Desta vez, Bart foi inserido na busca do herói como um dos motivadores de Hommer.

Mesmo assim ainda não deu... Que tal colocar dez minutos de créditos finais, cheio de piadas metafóricas? E gastar dois minutos da abertura, xingando os espectadores de otários?


Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 25/03/2008

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Simpsons - O Filme

Sinopse: O lago Springfield está poluído, se mais um único dejeto for jogado no lugar ele ficará irrecuperável. Homer Simpson acaba fazendo a besteira de jogar as sujeiras de seu porco no lago e agora terá de arcar com as consequências de seus atos.

O desenho animado os Simpsons vem satirizando o american way of life há cerca de vinte anos, período que compreende desde o episódio piloto de 1989, passando por suas 20 temporadas até culminar nesse longa metragem de 2007.

Ao longo dos anos Os Simpsons se caracterizou por ser uma série muito hilária e mordaz. O filme não foge disso, sendo, na verdade, mais como um longo episódio de Os Simpsons. Um bom episódio, é verdade, mas nada muito mais que isso.

O filme tem momentos muito divertidos e é focado em Homer, com subtramas com Bart (seu velho problema de aceitação paterna), Lisa e Marge. Os autores fazem também piadas em cima da própria série de sua emissora, de seus espectadores. Há, também, algumas paródias de superproduções hollywoodianas, mas menos do que se esperaria.

No geral, Simpsons – O Filme agrada como entretenimento mas decepciona um pouco no quesito filme de animação adulto. Isso porque a comparação com South Park, maior, melhor e sem cortes de 1999 é inevitável. A versão pros cinemas da série das crianças do Colorado chegou, como os Simpsons, despertando forte interesse de seus fãs. E os seus criadores não decepcionaram, criando algo totalmente inesperado e o que sustentou a obra na telona que foi o fazer do filme um musical. A animação lançada agora nos cinemas não conseguiu isso, manteve as expectativas, mas não as superou.

Outro detalhe importante, devido a um problema de direitos autorais das dublagens dos DVDs da série, o dublador do Homer, Waldyr Sant'Anna, não está no filme. No início há um estranhamento, mas rapidamente o ouvido se acostuma ao novo timbre de voz de "gordão careca" e não há maiores problemas.

Guilherme Kroll Domingues

Zork - um clássico


Um dia, lá pelo meio ano de 1977, um grupo de nerds do MIT -- Bruce Daniels , Dave Lebling, Mark Blank e Tim Anderson -- em suas horas de folga desenvolveram o que pode ser considerado o primeiro jogo interativo para computadores.

O nome "Zork" foi tirado de uma gíria interna do MIT para programas inacabados e de, certa forma, um programa interativo que não tem fim.

Fãs do RPG Dungeons & Dragons e do clássico da literatura fantástica Senhor dos Anéis, os nerds do MIT desenharam um labirinto que deveria ser percorrido num reino fantástico subterrâneo. O herói da história andava às escuras percorrendo corredores, entrando em salas, enfrentado armadilhas, vilões e monstros, achando tesouros etc. Nada muito diferente de milhares de jogos que você já deve ter jogado. Há uma diferença contudo.

O programa foi desenvolvido para um mini computador PDP-10 da DEC, numa linguagem derivada do Lisp e ocupava quase toda memória da máquina de fantásticos 1 MB (eu disse isso mesmo: hum MB) e não tinha NENHUMA imagem!

Os comandos eram dados em texto em uma linha de prompt (representado por >) e o computador dava respostas por escrito ao aventureiro, contando o que tinha acontecido.

Algo como:

Você está em uma caverna. Nesta caverna há duas saídas, uma ao norte e outra a leste.
> EXAMINE

Não há nada aqui.
> VÁ PARA O NORTE 

Você chegou em uma sala. Há duas saídas uma ao norte e outra a leste.

> EXAMINE


Há uma lança, um saco de moedas e uma poção de saúde.

> PEGUE A LANÇA, O SACO DE MOEDAS E A POÇÃO


Você agora tem uma lança e um saco de moedas e um pote de poção.

> VÁ PARA O LESTE

Em 1980 os nerds do MIT fundaram a Infocom e adaptaram o programa pra os recém lançados computadores pessoais: Apple II, TRS-80 e posteriormente para o PC. O produto foi um sucesso, tendo posteriormente várias versões, Zork II, Zork III, Zork Quest, Zork Quest II, Zork, The Return e Zork Zero.

Por que Zork é importante?

Apesar de ter sido superado tecnologicamente por inúmero games, o algoritmos destes jogos, no que diz respeito às decisões tomadas e o que o jogador encontra são os mesmos, bem como a forma de programar os objetos de cena. Por exemplo, o que faz uma lança ou uma tocha? Ou o que vou encontrar se for para a direita? Pois é, a turma de nerds criou todos estes conceitos.

Além disso, Zork é divertido, mesmo para quem já acostumou com imagens em profusão e inteligência artificial controlando os personagens. A forma de pensar sem a geração de imagens pelo computador estimula tanto o hemisfério esquerdo (todos os comandos são lingüísticos) e o direito (muitas vezes você terá que criar uma imagem mental do que está acontecendo). Ficará ausente contudo a rapidez de reflexos, muito necessária nos jogos atuais (aliás, isso pode ser visto como vantagem por alguns jogadores que gostam de pensar mais e tem menos habilidades "digitais").

Dicas Nerd: Para quem ficou curioso, o Zork em suas principais versões está disponível para download no site da Intercom.


Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 21/02/2008

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Homem Duplo -- Philip K. Dick

Ficha técnica:
O Homem Duplo
Autor:Philip K. Dick
Editora: Rocco
Ano: 2007

Um futuro tão próximo que se pode tocá-lo com as mãos. Este é o tempo onde ocorrem os acontecimentos de O Homem Duplo, de Philip K. Dick. Tirando alguns artefatos e algumas referências e, principalmente a Substância D, o ano poderia ser 2008 ou 1972 (ano em que foi escrito o romance).
Contudo é um romance de ficção científica, onde a ciência envolvidas são a psicologia e sociologia. Philip Dick mergulha fundo não no espaço, mas cérebro de um drogado, na tribo de viciados e na sociedade hipócrita que os gera.

Fred é um agente do governo infiltrado em um grupo de viciados. Para preservar sua identidade, fica escondido atrás de um “traje misturador”. Esse traje o mostra até mesmo para seus colegas da polícia como um ser que troca de faces dezenas de vezes por segundo sendo Todo Mundo e Ninguém ao mesmo tempo. Quando está sem seu traje, é um dos viciados, cuja identidade é desconhecida até mesmo pela polícia. Sabem apenas que ele é um do grupo, mas não sabem qual.

Como parte de seu trabalho, para não estragar seu disfarce, Fred toma uma droga chamada Substância D, um alucinógeno que tem como efeito colateral causar a separação dos hemisférios cerebrais. O problema é que essa droga é altamente viciante e Fred passa tomá-la regularmente, mesmo quando não está infiltrado. Lentamente acompanhamos o deteriorar do cérebro de Fred e o vemos mergulhar numa bad trip, alucinante e alucinada, a ponto dele não saber mais quem é.

Philip K. Dick conhece muito bem o assunto pois era um viciado em drogas alucinógenas e quase todos os personagens foram inspirados em amigos seus, conforme ele mesmo descreve em um posfácio em que dedica o livro a esses amigos. A maioria deles, mortos ou com algum dano cerebral ou físico permanente. Dentro desse contexto, escreve um romance que foge de um moralismo fácil, aliás duramente criticado. Entre as instituições sociais presentes está a New Path, organização financiada pelo governo que recolhe viciados, colocando-os em papéis socialmente aceitos. Numa das cenas os ex-viciados são aconselhados a serem seguidores e não líderes, pois “líderes, como Jesus, são mortos e seguidores sobrevivem”.

O autor consegue também fugir à apologia das drogas ao mostrar com clareza seus efeitos sobre o cérebro dos personagens. Os viciados são apenas pessoas, nem boas nem más, que fizeram uma escolha e sofrem as conseqüências dela (como todos nós).

Merecem destaque algumas cenas. Há uma discussão entre os viciados a respeito de uma bicicleta de dez marchas onde eles não percebem a relação entre as rodas dentadas e as marchas. Ela é fundamental para caracterizar a disfunção cerebral provocada pela substância D.

Há algumas passagens hilariantes, provocada pela falsa percepção da realidade e a perda da capacidade metafórica do cérebro, que os leva a interpretar tudo ao pé da letra.

Já as cenas em que Fred está na companhia dos psicólogos que detectaram as disfunções cerebrais dele servem para dar embasamento científico às especulações do autor sobre os efeitos da droga.

Em uma delas, Fred pede um conselho sobre como cativar uma garota por que está apaixonado, sem que ela se sinta apenas objeto de seu desejo sexual. Guarde a sugestão do psicólogo. Ela é óbvia e banal, porém será fundamental para fechar a trama.

Um destaque especial para o desfecho. Ele nos surpreende e nos faz pensar.

Sobre o filme: o filme de Richard Linklater é bastante fiel ao livro, talvez por isso o “excesso de verbos” apontados pelo nosso colega Edu. Philip Dick é verborrágico também, exagerando nos detalhes em algumas passagens. Todavia quem admira o livro e Philip Dick não fica decepcionado.

Dicas Nerd: leia a Experiência Religiosa de Philip Dick, quadrinhos de Robert Crumb sobre uma entrevista com ele (há uma excelente tradução publicada no site Ovelha Elétrica). Depois releia as páginas 258 (último parágrafo) até 261 desta edição do romance.

Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 02/02/2008

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Prisioneiro - Série Cult dos anos 60

Há cerca de quarenta anos, os produtores de cinema e de TV, dentro do clima favorável da Guerra Fria, deliciavam os espectadores com filmes de espionagem. Desde da série 007 e suas inúmeras imitações, passando pelo Agente da U.N.C.L.E., Missão Impossível (a série antiga), Danger Man e até a sátira do Agente 86, entre outros. 


O que tinham em comum estes filmes e séries?


Dois lados bem definidos (o da “liberdade” versus “vermelhos”), heróis invencíveis e claramente comprometidos com o lado do “bem”, belas mulheres como parceiras, vítimas ou inimigas e ações mirabolantes.


O que se diria de uma série que começa com o herói renunciando, sendo posteriormente aprisionado por alguém que não revela de que lado está, quase não há interação do herói com mulheres bonitas (a única prisioneira que se apaixona por ele é feia que dói)? Um fracasso?


Não! Contrariando as próprias expectativa do criador da série, principal roteirista e ator – Patrick McGoohan – a série foi um sucesso e tornou-se cult, sendo referenciada em vários outros filmes claramente ou veladamente, como Babilon Five, Lost, O Sistema e até Os Simpsons, onde Patrick McGoohan dubla o personagem que é um caricatura sua, além de uma música do Iron Maiden ("The Prisoner").


Elementos da série


Após ter se demitido do cargo de agente secreto do governo britânico, um ex-espião (cujo nome jamais é mencionado na série) é seqüestrado em sua casa e levado para um local desconhecido, The Village.


A cada episódio da série começa com o seguinte dialogo:


– Where am I?
– In the Village
– What do you want?
– Information
– Whose side are you on?
– That would be telling . . . We want Information
– You won't get it
– By hook or by crook . . .We will
– Who are you?
– The new Number Two
– Who is Number One?
– You are… Number Six
– I am not a number . . . I'm a free man! (risada de escárnio)



Note algumas coisas:


• O personagem que representa o inimigo se apresenta como “novo número 2”. Por que o novo número 2? Porque, durante a série o número é trocado sistematicamente a cada episódio.
 

• Há a pergunta “Quem é o número 1?”. Esta pergunta percorrerá toda a série sendo o seu principal mistério. Os outros? Onde é a Vila? Por que e para quê estão fazendo prisioneiros? Que tipo de informações desejam?

• Qualquer tentativa dele de sair do Village redunda em fracasso. 

• Ao longo da série, a busca de informações pelos supostos dirigentes do Village muda para uma única pergunta: “Por que você renunciou?” Outra pergunta que ficará sem resposta.

• Há uma série anterior de espionagem com o mesmo ator, chamada Danger Man. Uma das perguntas que ficam sem resposta é se o Número 6 era o mesmo espião protagonista da série Danger Man. Patrick McGoohan é silente a este respeito, já que em nenhum momento é dito o nome do personagem. Com certeza foi para dar uma interrogação à mais para que o espectador tivesse com que especular entre um episódio e outro.

• Rede de referências complexas. Há citações bastante claras a outras obras de ficção: Alice no País das Maravilhas e no Reino do Espelho (num dos episódios há um imenso jogo de Xadrez, e um dos personagens foi representado pelo mesmo ator que representou o Chapeleiro louco na versão televisiva do livro), O Processo de Kafka (Patrick McGoohan fez uma ponta na versão de Orson Wells para o cinema), o Gabinete do Dr Caligari. Só para citar alguns.

• Fala de tecnologias que só se tornaram realidade muito tempo depois. Realidade virtual (parece até que foi escrito nos anos 90!), técnicas de manipulação psicológica (Edir Macedo ficaria com inveja...), inteligência artificial (engatinhando na época). 

• Desumanização face à burocracia estatal que reduz a pessoa a apenas um número em um banco de dados. "I am not a number, I am a free man!"

• A música da abertura é um rock, porém na realidade é Vocalise, uma peça de Sergei Rachmaninov (compositor russo) tocada com arranjo e velocidade de rock, sublinhando para os nerds da época a ambigüidade do enredo.


Ao longo da série o número 6 será inúmeras vezes torturado, terá seu cérebro lavado, será enganado por outros prisioneiros e será perseguido pelo dispositivo de segurança da ilha, uma bola de plástico flutuante que persegue o fugitivo o captura e devolve ou o mata por sufocação. A onipresença desta arma, sua capacidade de matar de forma cruel e a quase impossibilidade de escapar de seu ataque lembra o monstro da ilha de Lost.


Não há nenhuma privacidade aos prisioneiros da vila, todos são vigiados o tempo todo por câmaras que a vasculham. Todas as dependências de suas residências também têm câmaras que vigiam seus ocupantes. Novamente, Lost bebeu dessa fonte.


Anti-spoiler. Não leia os próximo s dois parágrafos se não quiser saber detalhes da série


A série dá a entender que o Village sempre existiu. Há prisioneiros velhos e muitos deles estão na ilha a tanto tempo que não se lembram de sua existência livre. Há até um cemitério e em um dos episódios aparecem crianças. Muitos analistas da série vêem esta abordagem como um simbolismo da sociedade como um todo. 


A série termina de um modo abrupto e caótico, num episódio cheio de referencias surreais e alegóricas, aumentando em vez de responder às perguntas. Milhares de artigos tem sido escritos deste então por nerds do mundo inteiro, rendendo até teses de doutorado, sociedades que se dedicam a discutir a série e constantes reprises (nos EUA, Inglaterra e Canadá) e promessas de refilmagens.


Episódios


A série é composta por apenas 17 episódios. Concebida inicialmente para ser uma mini série com 7 episódios, foi estendida para 17 quando um dos produtores convenceu Patrick McGoohan, ocriador de O Prisioneiro, do seu potencial de audiência, dada o clima envolvente conseguido com um enredo complexo e intrigante. 


Os DVDs disponíveis mostram a seqüência dos episódios de acordo com o que foi apresentado na primeira vez , mas não refletem a ordem autoral dos episódios, tal como foram concebidas.


A seguir, uma lista de episódios com uma sugestão de ordem de assistir.


1) The Prisoner - 1x01 - Arrival
2) The Prisoner - 1x03 - Dance Of The Dead
3) The Prisoner - 1x04 - Checkmate
4) The Prisoner - 1x05 - The Chimes Of Big Ben
5) The Prisoner - 1x02 - Free For All
6) The Prisoner - 1x09 - Many Happy Returns
7) The Prisoner - 1x08 - The Schizoid Man
8) The Prisoner - 1x07 - The General
9) The Prisoner - 1x06 - A, B And C
10) The Prisoner - 1x14 - Living In Harmony
11) The Prisoner - 1x10 - It's Your Funeral
12) The Prisoner - 1x13 - Do Not Forsake Me Oh My Darling
13) The Prisoner - 1x11 - A Change Of Mind
14) The Prisoner - 1x12 - Hammer Into Anvil
15) The Prisoner - 1x15 - The Girl Who Was Death
16) The Prisoner - 1x16 - Once Upon A Time
17) The Prisoner - 1x17 - Fall Out



Se você possui a caixa de DVDs NÃO assista primeiro o vídeo promocional (Vídeo Companion) pois ele é um gigantesco spoiler.


Merece atenção especial o episódio Living In Harmony que não passou nos Estados Unidos por alguns motivos bizarros, segundo alguns comentaristas: o canal que exibia a série menosprezou a inteligência do publico achando que os espectadores ficariam confusos com o início já que a abertura era diferente (se a cor da grama muda o burro morre de fome). Outro motivo seria que ele brinca com muita ironia como Western uma instituição americana por excelência. O terceiro e mais provável é que há uma mensagem pacifista explícita no episódio e os EUA estavam plenamente comprometidos com a Guerra do Vietnã. 


Infelizmente no Brasil só encontramos a série importada.


Hipóteses


Advertência anti-spoiler. Se você quiser ver a série sem pré-julgamentos, não leia este tópico.
Dada a ambigüidade do enredo, e as perguntas que ficaram sem resposta ao longo de 40 anos, seus fãs teceram hipóteses (alguns levaram ao extremo de construirem teses de doutorado) para explicar algumas coisas:


1) Por que foi contruído The Village?
 

Hipótese: The Village foi construído para obter informações durante algum conflito (Segunda Guerra Mundial?) e ficou isolado, continuando a agir em nome do propósito de obter informações, cujo motivo foi esquecido (Isso não lhe lembra Lost? Apertar uma seqüência de números de tempos em tempos sem ninguém saber porquê?)


2) Danger Man era o número 6?
 

Hipótese 1: Não. Pessoas ligadas à Patrick McGoohan afirmam que ele não queria que houvesse esta referência. A influência mais forte dele era O Processo de Kafka, que deu um sobrenome que era apenas uma letra a seu personagem (Joseph K.). Mesmo que fosse, o espião sofreu um completo processo de desumanização, de tal forma que seu nome pouco importa.


Hipótese 2: Sim. O personagem apresenta os mesmo traços de comportamento e personalidade do espião John Drake em Danger Man. Patrick McGoohan, segundo estes fãs, não era um maneirista, que só sabia interpretar o mesmo personagem. Citam trabalhos em outros filmes onde vive outros personagens tão bem quanto o número 6 ou Drake. Alguns chegam a analisar falas do numero dois e do próprio número 6 que fazem referências indiretas ao personagem (inclusive erros gramaticais e de dicção).


3) Por que o espião renunciou?
 

Hipótese 1: Pouco importa. As únicas resposta que ele dá a seus captores é que “as razões são pessoais”, ou “eu queria umas férias” (quando ele está em seu apartamento pouco antes de ser seqüestrado há prospectos hotéis que ele põe na mala, dando a entender que sairia em uma longa viagem.).


Hipótese 2: Motivos pacifistas. O espião estaria cansado de participar de uma guerra sem fim e sem quartéis, que violava princípios íntimos. Defensores deste ponto de vista ilustram seu argumento com passagens e até episódios inteiros em que há alguma mensagem pacifista, bem como as crenças pessoais de Patrick McGoohan.


4) Quem é o número 1?

Hipótese 1: Não há número 1. Quando há um número 2 tendemos a pensar que há um número 1. Se eu quiser confundir, crio um número 2 sem um número 1.


Hipótese 2: Um super computador. Isso seria bem típico dos anos 60, onde o complexo de Frankstein dominava a ficção científica. Um dos episódios explora esta possbilidade (The General).


Hipótese 3: A própria sociedade do The Village ou a Sociedade como entidade metafísica. Esta é a hipótese mais forte devido a influência de Kafka e d’ O Processo.


Hipótese 4: Um personagem secundário que aparece quase sempre e tem uma atuação bem discreta. Quem é? Veja a série, em especial o episódio A Change Of Mind (talvez o melhor da série). Dê uma boa olhada na última cena.


Hipótese 5: O próprio serviço secreto inglês. Defensores deste ponto de vista apontam o episódio Many Happy Returns como um forte indício desta possibilidade.


Hipótese 6: O próprio número 6. Esta hipótese divide os fãs e especialistas. Há alguns indícios que apontam para esta possibilidade. O principal é na abertura, quando o número 6 pergunta quem é o número 1. O número 2 responde: You are (dá uma pausa) number 6. Os que argumentam contra apontam a completa ignorância do personagem em relação às ações do número dois sobre ele. No que são rebatidos pelos defensores que apontam a conotação simbólica da série, como se o número 1 fosse o inconsciente do número 6.


Hipótese 7: Escreva aqui a sua!


Referência principal:


Este é o site oficialhttp://www.the-prisoner-6.freeserve.co.uk/


Outra página de fãs, francesahttp://www.leprisonnier.net/


Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/The_Prisoner

Estas, de fãs brasileiros: http://www.cinemaemcena.com.br/forum/printer_friendly_posts.asp?TID=12313
http://www.sobrecarga.com.br/node/view/2250
http://www.sobrecarga.com.br/node/view/2318



Nerd Shop:
O Prisioneiro. DVD Importado. Livraria Cultura.
Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 7/01/2008